sexta-feira, 16 de julho de 2010

Admirável mundo novo?

Ao contrário do prometido, a tecnologia não aliviou a deterioração do trabalho, diz sociólogo: 'Apenas a transformou'
Christian Carvalho Cruz
O Estado de S.Paulo, Caderno ALIÁS
11 de outubro de 2009
A não ser em seus livros, em que analisa com acidez marxista as transformações do trabalho e suas implicações na vida cotidiana, o sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp, tem dificuldade de contar a dura verdade a um trabalhador. Certo dia lhe telefonou uma funcionária do banco querendo saber por que ele não pagava contas pela internet. "Porque eu não lido bem com tecnologia", Antunes disfarçou. A moça insistiu dias depois. "Porque eu não confio na internet", foi a segunda resposta que ela ouviu. Só no terceiro contato o sociólogo abriu o jogo: "Porque eu não quero que você perca seu emprego".
É justamente do trabalho no admirável mundo imaginado pelos entusiastas da era digital que trata seu novo livro, a coletânea de ensaios Infoproletários - Degradação real do trabalho virtual (lançado pela Boitempo). Organizada em parceria com o também sociólogo Ruy Braga e com lançamento previsto para o dia 26 deste mês, a obra faz um recorte preferencial pelos operadores de telemarketing e trabalhadores de call center, expressões máximas da atual precarização do trabalho, segundo Antunes. Contudo, na entrevista a seguir, o sociólogo envereda também por outros desdobramentos da nova realidade, na qual ele vê poucos motivos de celebração. "Não é possível que o século 21 transcorra com essa destruição do trabalho em escala monumental sem que algumas "placas tectônicas" se movimentem - e eu não estou falando de geofísica, obviamente", ironiza. "A história está aberta para qualquer tipo de saída."
EIS O INFOPROLETÁRIO
"O proletariado não acabou, ao contrário do que muitos previram e desejaram. Ele se transformou. O livro é uma tentativa de compreender essa transformação. Infoproletariado, ou ciberproletariado, são termos que compreendem uma ampla gama de trabalhadores que floresceu nas últimas três décadas e meia a partir do aumento do uso da tecnologia da informação, da globalização e da degradação das condições de trabalho. Esse triplo processo originou um tipo de proletário contraditório. Ele é de ponta, moderno, porque usa tecnologia avançada, mas é atrasado, porque herdou condições de trabalho vigentes no início do século 20. Analisar esse fenômeno é ir além do invólucro místico de certa sociologia segundo a qual a tecnologia traria para o trabalho o admirável mundo novo. Talvez fosse mais correto falar em abominável mundo novo.
MAIS COMPLETA TRADUÇÃO
"O operador de telemarketing é a expressão mais completa de infoproletário. Um trabalhador sob controle absoluto. Ele fica isolado em baias de modo que não converse com o colega do lado, tem tempo contado para ir ao banheiro, é punido se não cumpre metas e, como na indústria fordista, faz um trabalho prescrito e repetitivo levado ao limite. Um quadro de sofrimento e sujeição totalitária. Em franca expansão mundial, os call centers são, obviamente, importantes empregadores de jovens. Mas até eles percebem a tragédia em que se encontram. Em poucos meses não suportam o emprego, mas não podem sair, pois lá fora a opção é o desemprego. Sintomático que antes do início da jornada diária os teleoperadores se reúnam em um momento de concentração, com música agitada, palavras de ordem, etc. É o seu momento catártico para enfrentar a barbárie que virá.
E AÍ, PARCEIRO...
"O infoproletário não se rebela. Afinal, ele não é um trabalhador, ele é um "colaborador". Eis uma engenharia ideopolítica das empresas, nascida nesse novo mundo do trabalho. Elas precisam da aquiescência e do envolvimento dos trabalhadores para tê-los só pensando nelas. No seu jogo de palavras, um colaborador não é parte da classe operária, não se sindicaliza, não pensa em política. Colaborador é parceiro, quase sócio. Por isso até almoça no mesmo restaurante dos gestores. Como, por definição parceria implica ajuda mútua, na bonança ou na tragédia, eu pergunto a essas empresas: por que o seu colaborador é o primeiro a ser penalizado em tempos de crise? Estamos diante de uma falácia, logicamente.
VOLUNTÁRIO NÃO, OBRIGADO
"É o caso também da chamada web 2.0, em que os indivíduos são "convidados" a colaborar com empresas de internet. Há uma utilidade social clara nisso, não nego: o cidadão pode dividir com outros cidadãos quaisquer informações que julgue importantes. Porém, há um segundo elemento, que é o capital se aproveitando de mais uma brecha para gerar valor. Como no trabalho voluntário, mais uma forma de mascarar a autoexploração. Ao procurar emprego hoje você estará em desvantagem se não mostrar no currículo que fez ou faz trabalho voluntário. As empresas valorizam isso. Mas se você tem que fazer trabalho voluntário para conseguir um emprego, então ele se tornou trabalho compulsório. No Brasil existem perto de 20 milhões de trabalhadores voluntários. É evidente que eles substituem 20 milhões de assalariados que estariam recebendo para realizar um trabalho agora feito por voluntários que são obrigados a sê-lo. Que coisa...
HOME OFFICE
"Outro desdobramento do cibertrabalho é o trabalho a distância, o melhor dos mundos para o capital. Você trabalha em sua casa, onde o público e o privado se embaralham: como não há definição do que é trabalho e do que é descanso, a jornada se estende. Você fica sempre disponível e pode ser incomodado a qualquer hora por questões de trabalho, afinal você não está só em casa, está também no escritório. A noção de tempo desmorona com a vida privada. É uma nova modalidade de precarização permitida pela tecnologia. O pior é que virou tendência, essa é a nossa tragédia. Sou capaz de compreender o lado positivo do trabalho a distância para certo tipo e trabalhador que dispõe de "capital cultural" e acha bom ter controle sobre o próprio tempo. Mas o inverso disso é a individualização, o isolamento, o fim do trabalho coletivo e a quebra dos laços sociais.
TERREMOTO SOCIAL
"O avanço tecnológico atual é tamanho que poderíamos trabalhar tranquilamente três horas por dia durante três ou quatro dias por semana. Todos produziríamos e viveríamos bem. Mas como realizar isso nesses tempos de sociedade que vive em plena superfluidade? As pessoas precisam ir ao shopping, consumir sem parar, mesmo sem saber o quê nem pra quê, não é mesmo? Alguma coisa está fora de ordem. E não é possível que o século 21 transcorra com essa destruição do trabalho em escala monumental sem que algumas "placas tectônicas" se movimentem - e eu não estou falando de geofísica, obviamente. Cinco anos atrás quem diria que os Estados Unidos tomaria medidas estatizantes para impedir a falência de seu sistema financeiro? Quem diria que no modelo imaginado pelo american way of life o essencial automóvel se tornaria também moradia da classe média? A história está aberta, inclusive para saídas ainda mais à direita."




quinta-feira, 15 de julho de 2010

"O reverso do IPEA" / "Felicidade, dos banqueiros e a nossa"

O reverso do IPEA
O presidente do IPEA, Márcio Pochmann, jamais se meteu com o grupo de economistas de mercado e professores-banqueiros, a não ser como crítico. Está pagando o preço de sua honestidade intelectual. É uma sorte que o Brasil conte, na administração pública, com gente como ele.
J.CARLOS DE ASSIS

Partiu de mim a sugestão ao então secretário Roberto Mangabeira Unger para que escolhesse o economista Márcio Pochmann para a presidência do IPEA. Não é meu, porém, o mérito pelo fato de ele ter aceitado. É do atual ministro Mangabeira. Alegando problemas reais de família, Márcio me fez acreditar que não aceitaria. Foi Mangabeira, com uma insistência tenaz, quem o convenceu do contrário. Com isso, honrou o Governo Lula com um dos mais competentes quadros do País no terreno da pesquisa e da investigação econômica.
Não precisei de indicar João Sicsú para o segundo posto no IPEA. Quando ia mencionar o seu nome, Márcio já o havia escolhido. Indiquei, sim, como pesquisador ou para qualquer outro posto no Instituto, o economista Miguel Bruno. É o mais notável da nova geração de pesquisadores econômicos brasileiros. Fez uma primorosa tese de doutorado na França sobre financeirização da economia. Eu a usei na carta Momento Nacional, do Instituto Desemprego Zero, mostrando que 29% da renda interna líquida do País, entre 1992 e 2005, são juros.
É graças a essa tese, ignorada pela maior parte da imprensa brasileira com a rara exceção do jornal Valor, que o jovem doutor está sendo submetido à mais sórdida campanha de jornais como O Estado de S. Paulo e O Globo – os mesmos que denigrem a imagem do IPEA, com base em informantes desqualificados de ressentidos. A motivação explícita é uma mudança de métodos na divulgação de pesquisas de conjuntura. A implícita é o despudor de quem quer fazer com que o IPEA continue sendo uma “dobradinha” do mercado financeiro.
Para o jornalista Elio Gaspari, no Globo de domingo, “o comissariado está destruindo o IPEA”. Gaspari conhece as artes da destruição. Ele ajudou a destruir a ditadura com um competente jornalismo no Jornal do Brasil. Infelizmente, tomou de amores por sua principal fonte, o General Golbery, eminência parda dos governos Castello Branco e Geisel. Sabe-se, pela coleção de livros históricos de Gaspari, tudo o que Golbery lhe contou. Apenas não se sabe o que Gaspari contou a Golbery. Não sei se isso o honra, ou o denigre.
A fúria contra Márcio Pochmann se justifica pela esclarecedora entrevista que deu à Gazeta Mercantil, no último dia 23, sob o título “BC pode matar ciclo de crescimento”. Não é necessário ler mais nada. Está em todos os jornais, todos os dias, afirmações de economistas do mercado e professores-banqueiros segundo as quais o único e exclusivo objetivo da política econômica brasileira é trazer a inflação para o centro da meta. Nada mais, e também nada menos, pois se for menos o Banco Central, contrariado, não terá justificativa para aumentar os juros.
Num instituto de pesquisa, como em qualquer repartição pública burocrática, a hierarquia é fundamental. Menos no IPEA. Ali, qualquer economista ressentido pode bater boca com seus dirigentes, sob a cobertura da liberdade de expressão e do direito à divergência. No Globo de sábado, 28 de junho, Paulo Levy se arvora o direito de definir o papel do IPEA. Ao lado, Márcio Pochmann procura esclarecer que o papel do Instituto não é fazer projeções. Elas mudam todo o dia, ao sabor da especulação financeira. E pergunta: “Por que erram tanto?”
A resposta é simples. Erram porque são fruto de especulação primária, as quais, por sua vez, são a base dos gigantescos ganhos financeiros com que o povo brasileiro, através do superávit orçamentário primário combinado com taxas de juros estratosféricas e o swap reverso, premia os gangsters do mercado. De fato, Márcio, que, como Miguel Bruno e João Sicsú, jamais se meteu com esse bando, a não ser como crítico, está pagando o preço de sua honestidade intelectual. É uma sorte que o Brasil conte, na administração pública, com gente como ele.
Ele varreu o IPEA. Leva farpas de gente que se esconde no BNDES e que, não contente com a terapia ocupacional a que foi relegada, se alia ao rebotalho da casa para denegrir a honra das pessoas e das instituições. Em linguagem bem clara, cospem no prato em que comeram. O Brasil sofrido, o Brasil honesto, o Brasil trabalhador (mas ainda sem emprego suficiente), merece Márcio Pochmann, Sicsú e Miguel Bruno. Quanto a Bruno, Ancelmo Góis tem razão. Um dia, será o primeiro Prêmio Nobel brasileiro, por causa de sua tese sobre financeirização. É mais velho que Einstein quando recebeu o de Física.
J. Carlos de Assis é economista, editor-chefe do site Desemprego Zero.
Publicado no site CARTA MAIOR, 06/07/2008

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Felicidade, dos banqueiros e a nossa
DELFIM NETTO
Historicamente, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) foi um instrumento de aconselhamento econômico estritamente alinhado às políticas econômicas hegemônicas vigentes. Foi assim durante a ditadura e persistiu dessa forma nos anos neoliberais, especialmente nos dois governos da administração FHC.
O presidente Lula conviveu com essa situação em seu primeiro mandato, quando prevaleceram algumas dessas políticas baseadas no tripé meta de inflação, juro alto e superávit primário.
Mas, em razão de uma importante mudança nos rumos da política econômica, ao colocar o Estado e o setor privado nacional no centro do desenvolvimento do País, através do PAC, o presidente resolveu entregar a direção do IPEA, na segunda fase de seu governo, a economistas liderados pelo competente professor Márcio Pochmann, da Unicamp, cuja linha de pensamento está totalmente dissociada do conservadorismo monetário reinante no Banco Central.
Os monetaristas de plantão e seus porta-vozes instalados na mídia não tardaram a chiar contra a mudança e a reforçar, agora, o coro histérico contra Pochmann e sua equipe, que resolveram, acertadamente, suspender a divulgação sistemática da Carta de Conjuntura daquele órgão, cuja linha editorial está muito mais alinhada à política do BC do que com o novo IPEA.
Quem mais estrebuchou foi o colunista Elio Gaspari, da Folha de S. Paulo, que chegou a acusar a nova direção do órgão a praticar a “grosseria” de um “comissariado bolchevique”. Um preconceito atroz contra os responsáveis por um dos fatos mais marcantes da história contemporânea, que foi a Revolução Russa de 1917, para ele, certamente, muito mais grave que a política antes praticada pelos tsares.
Gaspari insurgiu-se contra a correta e oportuna decisão tomada pelo IPEA de suspender a divulgação de projeções macroeconômicas que, todos sabemos, são produzidas artificialmente pelo chamado mercado, leia-se, bancos, notadamente os estrangeiros, para, mais do que justificar, mitificar a política de juros altos do BC que, sob o surrado e combalido pretexto de combater a inflação, conspira abertamente contra o PAC, o desenvolvimento do País e, conseqüentemente, a manutenção das políticas de inclusão social tão bem sucedidas no governo Lula.
Em quase meia página de jornal, o colunista faz questão de não esconder sua preferência por Pedro Malan e Edmar Bacha, entre outros responsáveis pela desastrosa política econômica adotada nos anos FHC, quando o País, literalmente, andou para trás em matéria de crescimento econômico e de distribuição de renda.
E escancarou sua admiração pelos boletins do BC, que, segundo ele, “produz e divulga análises de boa qualidade” e que o que o “comissariado”, agora chamado de “petista”, quer é “brincar de felicidade”. Suas pérolas foram mais longe ao escrever que “o mercado”, essa santidade invisível que continua (des)governando tudo e todos, “é uma coisa essencialmente boa” e que “os países que seguiram sua dinâmica prosperaram”, enquanto os outros “arruinaram-se”.
Não por acaso, o articulista fugiu do risco de citar um único exemplo, nem de prosperidade, nem de ruína. Sua dificuldade em encontrar nos seus alfarrábios uma única nação que tivesse conseguido se desenvolver sob o rígido figurino do FMI e do atual BC não foi gratuita. Todavia, poderíamos citar muitos países, em várias partes do mundo, o salto em cujo processo de desenvolvimento só foi possível graças a uma política de juros baixos e fortes investimentos, e sem a radicalidade dos superávits primários que aqui ainda verificamos e o uso da ameaça inflacionária como instrumento de terror e de chantagem para manter as medidas vigentes, os mesmos expedientes utilizados para alardear uma suposta crise alimentar e, assim, manter o País refém dos ditames das notas técnicas do BC e tímido na tentativa de buscar uma nova matriz energética.
Recorremos a um único e ilustrativo caso, exatamente sobre as conseqüências dessa política no País que mais glorifica o mercado, a meca do capitalismo, os EUA. Durante os 19 anos (1987-2006) em que ocupou a presidência do banco central norte-americano, Alan Greenspan se lixou para as metas de inflação. Então, perguntamos: onde foi que tal sistema foi “consagrado”, nas palavras do xerife-mor dessa política em nosso país, Henrique Meirelles?
O exemplo confirma apenas que esse modelo só serve para nós, pobres mortais, países subdesenvolvidos, mas não para eles, sacramentando definitivamente a máxima adotada por outros motivos no tempo da guerra fria de que “o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. Pelo jeito, o presidente do BC não concorda com isso e continua anunciando e pregando aos quatro ventos que os juros continuarão subindo… por causa da inflação. Diga-se de passagem que Meirelles foi mais longe, chegando a inventar uma nova teoria: a de que não basta atingir a meta de inflação, isto é, ficar dentro da banda, mas atingir o centro da meta (4,5%) -se não, é o fim do mundo.
Voltemos a Gaspari, que acusa a atual direção do IPEA de promover um tal “patrulhamento intelectual”, seguramente porque considera que o que era produzido antes pelo órgão e, hoje, pelo BC, sob o eficiente comando do mercado, nada tinha de ideológico. Tratava-se, apenas, de análises técnicas isentas, comprometidas com a economia nacional e com o País. Acorda, Gaspari! Estamos no século XXI e, pelo jeito, o dileto colunista continua acreditando em cegonha e Papai Noel.
O fato é que o sistema de “metas de inflação” é apenas uma excrescência artificial inventada para extrair juros dos países periféricos, sem considerar as necessidades de crescimento e as carências do País, totalmente descolada da realidade, e exclusivamente para favorecer uma malta de especuladores, assegurando-lhes a felicidade eterna, aquela de que Gaspari reclama que o “comissariado petista” do IPEA pretende estender a 180 milhões de brasileiros.

O artigo foi reproduzido do site Desemprego Zero e publicado originalmente no DCI
Publicado no HORA DO POVO, 08/08/2008

Fashion Week, máfias e trabalho escravo

ALTAMIRO BORGES
Nas duas últimas semanas, as elites opulentas e os apreciadores da alta costura se deliciaram com os desfiles de moda no Rio de Janeiro e São Paulo, a paparicada Fashion Week. Jornais gastaram toneladas de papel para comentar cada grife nas passarelas. Já as televisões, com destaque para a TV Globo, ocuparam os espaços nobres com suas reportagens consumistas e endonistas, bem ao gosto dos ricaços. No mesmo período, a mídia burguesa fez de tudo para desqualificar a greve de 230 mil professores paulistas, “que tumultuou o trânsito dos que foram ao desfile na capital”. A visão classista da imprensa ficou escancarada nestas duas coberturas “jornalísticas”.
Sem desprezar a criatividade dos estilistas brasileiros e as peculiaridades desta indústria no país, seria sensato que a mídia não tratasse com tanto glamour este badalado mundo da moda. O livro Camorra, de Roberto Saviano, ajuda a desmistificar este setor altamente lucrativo. Lançado em 2006 na Itália, traduzido em 47 países e com 1 milhão de exemplares vendidos, ele descortina os bastidores deste “negócio”. Para isso, o jornalista italiano se infiltrou na Camorra, a organização criminosa sediada em Nápoles que já suplantou a máfia siciliana em movimentações financeiras. Após sofrer um atentado a bomba, hoje ele vive sob escolta policial e utiliza carros blindados.
Valentino, Versace, Prada e Armani
Na sua corajosa pesquisa, Saviano descobriu que um dos braços da máfia camorrista se estende à indústria da moda. Ele comprova que famosas grifes terceirizam a sua produção junto ao sistema fabril controlado pela Camorra. Muitas confecções inclusive utilizam mão-de-obra de imigrantes ilegais, com base no trabalho escravo. Como aponta Walter Maierovitch, numa resenha do livro para a revista Carta Capital, a obra “acertou em cheio grandes grifes mundiais, como Valentino, Versace, Prada e Armani. Essas empresas desfrutaram deste esquema ilegal, protegendo-se da responsabilidade criminal por meio do ridículo argumento do ‘terceirizei e basta’”.
Somente após a repercussão do livro e as denúncias da Procuradoria Antimáfia da Itália, algumas destas bilionárias empresas começaram a criticar o mercado pirata da moda. A omissão, segundo Saviano, teria os seus motivos. “Denunciar o grande mercado significava renunciar para sempre à mão-de-obra a baixo custo que utilizavam. Os clãs teriam, em represália, fechado os canais de acesso às confecções que controlam no país e as do Leste Europeu e Oriente”. O livro revela como uma empresa legal se compõe com milhares de confecções do “sistema Camorra”. Cita os leilões de modelos em escolas de Nápoles com a presença de compradores das grifes mundiais.
Ao destrinchar como funciona a Camorra, hoje uma poderosa “multinacional” com ramificações em vários setores – alta costura, drogas, contrabando e mercado financeiro –, Saviano mostra as precárias condições de trabalho dos imigrantes ilegais e dos milhares de jovens desempregados, recrutados nas periferias napolitanas. No tráfico de drogas, os jovens fazem entregas com motocicletas fornecidas pelos clãs mafiosos. Depois de várias entregas, eles ganham a moto de presente e realizam um “grande sonho, sem perceber que os capi lucraram muito mais”.
- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “Encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).
http://altamiroborges.blogspot.com

Publicado em
http://alainet.org/active/24864&lang=es
e também no HORA DO POVO, 02/07/2008

Uribe, um narco-herói?

For Release, August 2, 2004
For more information contact Michael Evans - 202/994-7000
mevans@gwu.edu
U.S. INTELLIGENCE LISTED COLOMBIAN PRESIDENT URIBE AMONG "IMPORTANT COLOMBIAN NARCO-TRAFFICKERS" IN 1991
Then-Senator "Dedicated to Collaboration with the Medellín Cartel at High Government Levels"


ENTREVISTA: GUSTAVO PETRO - Senador colombiano denunciante de la 'parapolítica'
"La Corte Penal Internacional debería actuar en Colombia"
EL País, 07.05.07

"( ... )

P. Antioquia es una región emblemática para el paramilitarismo.
R. Es la segunda en importancia económica y demográfica del país. La creación de los primeros grupos de las Autodefensas hechos por el Ejército en el Magdalena Medio coincidió con la llegada del narcotráfico a ese territorio escapando de Panamá. Pablo Escobar se instaló allí. En la época en que Uribe era gobernador, el paramilitarismo creció en una proporción que calculamos en el 640%.
( ... )".

Publicado no blog O CATA-MILHO, em 07 de Julho de 2008

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A falsa "quebradeira"

A FALSA "QUEBRADEIRA"
Aloysio Biondi
FOLHA DE S. PAULO
14/01/1996, P.2-6

O secretário de Energia de São Paulo, David Zylberstajn, ficou escandalizado com os salários dos vigias da Eletropaulo: R$22 por hora... "Pode liberar o assalto que fica mais barato”, soltou Zyibertajn.

O texto acima deve ser colocado entre aspas, pois é a transcrição integral de notícia publicada na imprensa paulista, logo após a posse do governo Mário Covas, na sua fase de "revelações" sobre os motivos da "quebra" de São Paulo.
Ela permite reflexões úteis, neste momento em que a equipe FHC, com apreciável sucesso, tenta convencer que União, Estados e municípios estão "quebrados" por causa dos gastos com o funcionalismo.
Ou, ainda, no caso de empresas e bancos estatais, porque "são utilizados com fins político eleitorais" , chavão que (mais uma vez) leva a opinião pública a pensar em excesso de funcionários etc.
Pontos a ponderar, dentro das limitações de espaço (que exigem também que os exemplos se restrinjam ao governo de São Paulo, embora se repitam nos demais Estados) .
1) Arrecadação - O ICMS arrecadado em São Paulo cresceu 10% em 1995. Não apenas graças "à fiscalização". O ICMS dos supermercados saltou 200%. Das lojas de departamentos, 100%. Por quê?
No governo Fleury, a arrecadação desses setores havia recuado até 98%. Isso é, empresas que pagavam normalmente R$1 milhão de ICMS por mês passaram a pagar R$20 mil.
Como?
Sonegação "autorizada" por brechas mantidas na lei, convenientemente. Da mesma forma que o governo Fleury perdoou (perdoou mesmo, "zerou") dívidas de ICMS do setor de bares, lanchonetes e restaurantes.
Pretexto: "interesse social", alegando-se que o setor é formado por microempresários, "donos de botecos". É. Só que depois se soube que o maior devedor era a bilionária rede McDonalds, com nada menos de US$30 milhões em ICMS devidamente perdoados.
E assim por diante: há sonegação "legalizada” no país.
2) Privatização - O movimento de cargas no trecho ferroviário São Paulo a Santos, da Fepasa, era o maior do país. Recentemente, o secretário de Transportes do governo Covas revelou que ele está praticamente parado, com 90% de ociosidade.
Mistério? Não. As empresas "preferem" transportar as cargas por caminhão. Motivo, segundo o próprio secretário: sonegação. Nas rodovias, a mesma nota fiscal é usada para várias viagens (com cargas diferentes, que, assim, não pagam o ICMS).
Sonegação consentida, portanto, pois bastaria o governo do Estado exigir que a nota fiscal ficasse retida em um posto de fiscalização da rodovia, e a fraude não existiria.
Prejuízos para o Tesouro. E prejuízos para a Fepasa. Que, ironicamente, agora vai ser privatizada" por "ineficiência"...
3) Terceirização - voltando ao exemplo da Eletropaulo, a estatal pagava R$ 22 por hora, ou R$176 por dia, ou R$2.872 por mês em 22 dias úteis, pelo trabalho dos seguranças. Marajás? Não. Eles não eram funcionários da empresa, mas sim trabalhadores "alugados" por empresas contratadas para a execução dos serviços de vigilância, dentro da chamada "política de terceirização" que os mentirosos dizem que "barateia" os custos do Estado...
Quem recebia R$2.872 por vigia, por mês, portanto, eram essas empresas, que pagavam salários ridículos aos trabalhadores e embolsavam a diferença. O mesmo acontecia no Banespa, com o famoso Baneser, e outras estatais. Empresas lucrando bilhões. Eficiência...
São falsas as explicações correntes para a "quebra" dos Estados, União, bancos e empresas estatais. Neste momento de opções, induzidas pelo governo FHC, é preciso dar nome aos bois.
O problema brasileiro é o "tratamento" que governantes dão a determinados grupos empresariais (em prejuízo, inclusive, de milhões de empresários não-privilegiados).
Rombos na hora de arrecadar e na hora de gastar. União, Estados e municípios são facilmente recuperáveis. Se isso mudar. E só mudará se o contribuinte começar a protestar.

PS: A inflação de janeiro, medida pelo IGP-M, saltou para 0,9% nos primeiros dez dias da apuração do índice, com alta de 2,4% para alimentos no atacado. O governo, como esta coluna já procurou alertar, está subestimando os problemas que a quebra de safras vai trazer.




Empresários, classe média, deputados e governadores

Empresários, classe média, deputados e governadores
ALOYSIO BIONDI
Folha de São Paulo
05/11/98
Editoria: DINHEIRO Página: 2-2
Seção: OPINIÃO ECONÔMICA

As eleições passaram, o "pacote chegou". Governadores, deputados federais e estaduais, senadores podem agora tomar decisões próprias, deixar de dizer "amém" às decisões da equipe econômica de Brasília, retomando - em alguns casos - a dignidade que sua atuação política ostentava no passado.
Há motivos de sobra para essa mudança: o "pacote" vai provocar mais recessão, mais quebradeira de empresários, mais desemprego, como o próprio governo federal admite. Então, cabe aos governadores e deputados buscar caminhos que reduzam os efeitos do "pacote" e diminuam a duração da crise.
Uma área que pode render bilhões de reais, ajudando a fechar o famoso "rombo", é a revisão imediata da política de privatizações, que tem representado prejuízos bilionários aos Estados e União. Alguns exemplos ajudam a entender o que está acontecendo:
Fepasa - A antiga estatal ferroviária paulista, entregue ao governo federal dentro do acordo de renegociação da dívida do Estado, está com o seu leilão de "privatização" marcado.
Além de uma rede de trilhos de 5.000 quilômetros, atravessando todas as regiões do Estado, com sistemas elétricos, imóveis etc ., a empresa possui 11 mil vagões (dos quais apenas 10%, ou mil, fora de circulação, precisando de reparos).
Qual o valor somente desses vagões, comprados ao longo de décadas com os impostos ou contribuições pagos pelos empresários, classe média e povão? Números divulgados por ferrovias já privatizadas falam em R$ 2 milhões a R$ 3 milhões por vagão. A procederem esses números, serão R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões aplicados pelos contribuintes paulistas somente na compra dos vagões...
Por quanto a Fepasa está sendo arrendada? Pela ninharia de R$ 230 milhões _a ser pagos em 30 anos, em prestações trimestrais de R$ 116 mil. Ou R$ 40 mil por mês. Um patrimônio de R$ 20 bilhões a R$ 30 bilhões entregue a grupos privados por R$ 40 mil/mês...
Fepasa, ainda - No acordo com a União, o governo Covas "entregou" a Fepasa por R$ 2 bilhões. Diante desses números, seria oportuno que o Tribunal de Contas do Estado diligenciasse para suspender o leilão da estatal, até que o seu verdadeiro valor fosse apurado, permitindo:
1) Rever o "preço" recebido por São Paulo;
2) Fixar um preço não lesivo para a privatização. Como a empresa já foi federalizada, a suspensão do leilão dependeria, em última instância, do Tribunal de Contas da União. A decisão é possível: ainda nos últimos dias de outubro, o TCU ordenou que a União "retirasse", do leilão da Fepasa, a ponte sobre o rio Paraná, na qual o governo paulista gastou algo como R$ 500 milhões e que havia sido surpreendentemente incluída, grátis, na operação de "privatização" (decisão criticada nesta coluna, há coisa de um mês).
Tudo de graça
Segundo excelente reportagem da jornalista Elvira Lobato, nesta Folha (28/10/98), o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem ganhou nova fonte de rendas. Vai receber um aluguel de R$ 1.200 por quilômetro, cobrado de empresas de telecomunicações que instalarem cabos de transmissão ao longo de suas rodovias. Essa notícia deve provocar reflexões de deputados, senadores, Tribunais de Contas _e empresários, classe média e povão. Por quê?
Há muito tempo, desde o início do debate (???) da privatização no país, técnicos lembravam que, ao calcular o preço da "venda" de empresas de energia elétrica, principalmente, o governo deveria incluir a receita que poderia ser obtida com um novo negócio ou exatamente a utilização da infra-estrutura existente, para a futura passagem dos cabos de telecomunicações.
Ou mais claramente: os postes, redes de fiação das empresas de energia (ou de ferrovias, como a Fepasa) e mesmo os sistemas (não se surpreenda) de tubulações de água, esgoto (Sabesp) poderiam ser usados com o suporte das redes das empresas telefônicas, que não teriam despesas para instalar toda essa infra-estrutura _e por isso pagariam um aluguel a quem as cedesse.
Não se trata de pouco dinheiro, não. No caso do DNER, note- se bem, o aluguel é apenas para usar a margem das rodovias e instalar nelas as redes, e mesmo assim a cifra é expressiva.
Quanto os Estados, inclusive São Paulo, perderam ao não cobrar por essa futura fonte de renda, na venda de suas empresas energéticas? E quanto os grupos privados que as "compraram" vão lucrar?
Há uma alternativa para corrigir a distorção: a renda proveniente dessa exploração da infra-estrutura deveria ser no mínimo repartida com o governo paulista.
É longa a relação de pontos "obscuros" no cálculo do valor de empresas estatais que foram privatizadas ou deverão ser. Por ora, mais um exemplo: algumas estatais tinham "reservas" de centenas de milhões de reais para possível pagamento de impostos. Com mudanças na lei, ou decisões do Judiciário, o pagamento foi suspenso e as reservas viraram lucros dos novos "proprietários"... Esses valores foram incluídos no preço da estatal, para sua privatização?
Todas essas perguntas somente podem ser respondidas com uma revisão das privatizações, pelas Assembléias Legislativas, nos Estados, e pelos Tribunais de Contas. Tarefa que certamente seria executada se entidades empresariais, sindicais e organizações da sociedade civil detonassem um amplo movimento de pressão sobre legisladores e governadores.
A crise nos EUA
Prossegue a manipulação do noticiário destinada a apresentar os EUA de Clinton como "a salvação do mundo". No final da semana passada, noticiou-se que o PIB norte-americano cresceu 3,3% no terceiro trimestre, demonstrando a "pujança" da economia norte-americana. A expansão nada tem de saudável. Deveu-se basicamente ao crescimento de US$ 57 bilhões nos estoques. Os gastos com novas construções caíram 6,5%; a poupança dos investidores "sumiu", representando apenas 0,1% de sua renda líquida; a taxa de crescimento dos gastos dos consumidores recuou de 5,5% para 3,9% no semestre; as exportações voltaram a cair, 2,9%, e as importações subiram 7,7%.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O mito da tributação elevada no Brasil

Marcio Pochmann *
Adital -
As especificidades do Brasil dificultam comparações. Cabem duas observações que desconstroem o mito da tributação elevada.
O tema relativo ao peso dos impostos, taxas e contribuições no Brasil permanece ainda sendo tratado na superfície. A identificação de que a carga tributária supera 35% do PIB (Produto Interno Bruto) é um simples registro, insuficiente, por si só, para permitir comparações adequadas com outros países. Ou seja, mencionar que o Brasil possui carga tributária de país rico, embora se situe no bloco das nações de renda intermediária, ajuda pouco, quando não confunde o entendimento a respeito das especificidades nacionais. Elas dificultam análises comparativas internacionais e exigem maior investigação.
Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que terminam por desconstruir o mito da tributação elevada no Brasil.
Em primeiro lugar, a observação de que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre os brasileiros. Como o país mantém uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da arrecadação fiscal. Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.
Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles -como o tributo sobre grandes fortunas-, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições.
Já os pobres não têm escapatória, pois estão condenados a compartilhar suas reduzidas rendas com o financiamento do Estado brasileiro. Isso porque a tributação brasileira é pesadamente indireta, ou seja, arrecada a maior parte em impostos sobre produtos e serviços -portanto, pesa mais para quem ganha menos.
Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito "tímida" em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.
As habitações dos mais pobres, por exemplo, pagam, proporcionalmente à renda, mais tributos em geral do que aqueles que residem nas mansões, enquanto os grandes proprietários de terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes. Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%. No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.
Em síntese, a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.
Em segundo lugar, a observação de que a carga tributária corresponde à capacidade efetiva de gasto da administração pública brasileiro, conforme comparações internacionais indicam ser. No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes.
Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público. Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões. Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.
Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.
Nesse sentido, a tributação elevada é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada em 12% do PIB já faz tempo. O que tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma vez arrecadados, são imediatamente devolvidos, o que impede de serem considerados efetivamente como peso da tributação elevada.
[ Artigo publicado na FSP, 14/09/2008, Opinião, p. 3 ]
* Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Mídia e democracia

Por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo*
A liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário, num exercício do poder monopolista que viola os direitos reconhecidos como essenciais?

Em 1947, a Comissão sobre a Liberdade de Imprensa, nomeada pelo Congresso dos Estados Unidos, advertia em seu relatório final: existe uma razão inversamente proporcional entre a vasta influência da imprensa na atualidade e o tamanho do grupo que pode utilizá-la para expressar suas opiniões. Enquanto a importância da imprensa para o povo aumentou enormemente com o seu desenvolvimento como meio de comunicação de massa, “diminuiu em grande escala a proporção de pessoas que podem expressar suas opiniões e idéias através da imprensa.”
O relatório procurou apontar “o que a sociedade tem direito de exigir de sua imprensa.” Definiu duas regras essenciais para o legítimo exercício da liberdade de informação e de opinião: 1) “Todos os pontos de vista importantes e todos os interesses da sociedade devem estar representados nos organismos de comunicação de massa”. 2) “É necessário que a imprensa dê uma idéia dos grupos que constituem a sociedade. Dizer a verdade a respeito de qualquer grupo social — sem excluir suas debilidades e vícios — inclui também reconhecer seus valores, suas aspirações, seu caráter humano”.
As recomendações exageradas nesse relatório refletem o espírito do tempo nos Estados Unidos e na Europa Ocidental: a aposta no aperfeiçoamento dos processos de controle democrático do Estado e do poder privado. O trauma das duas guerras mundiais e da Grande depressão saturou o ambiente intelectual dos anos 40 do século XX da rejeição ao mercado descontrolado e ao totalitarismo.
O sociólogo Karl Mannheim, um pensador representativo de sua época, escreveu, em 1950, no livro Liberdade, Poder e Planejamento democrático: “Não devemos restringir o nosso conceito de poder ao poder político. Trataremos do poder econômico e administrativo, assim como do poder de persuasão que se manifesta através da religião, da educação e dos meios de comunicação de massa, tais como a imprensa, o cinema e a radiodifusão”. Para Mannheim, deve-se temer menos os governos, que podemos controlar e substituir, e muito mais os poderes privados que exercem sua influência no “interior” das sociedades capitalistas.
Na aurora do século XXI, as forças democráticas sobreviventes, os que ainda conseguem respirar no “admirável mundo novo” construído pelo capitalismo da era Bush, mal conseguem defender o que restou dos direitos sociais e econômicos obtidos pelos subalternos no imediato pós-guerra. O leitor atilado há de julgar se a liberdade de opinião e de informação vem se ampliando e favorecendo o esclarecimento dos cidadãos ou se transformando em seu contrário: num exercício do poder monopolista que viola os direitos reconhecidos como essenciais no relatório da Comissão sobre a Liberdade de Imprensa.
O filósofo Paulo Virilio chegou a uma conclusão drástica: a mídia contemporânea é o único poder com a prerrogativa de editar suas próprias leis, ao mesmo em que sustenta a pretensão de não se submeter a nenhuma outra. A justificativa para tal procedimento trafega entre o cinismo e a treva: uma vez afetada a liberdade de imprensa, todas as liberdades estarão em perigo. Cinismo, diz ele, porque essa reivindicação agressiva trata de negar o óbvio: os meios de divulgação e formação de opinião vêm se concentrando, de forma brutal, no mundo inteiro, nas mãos de grandes empresas capitalistas. O objetivo natural e legítimo do ganho monetário está, mais do que em qualquer outra atividade, acumpliciado de forma inexorável ao desejo de ampliar a influência e o poder sobre a sociedade, a administração pública e a política.
É neste sentido muito especial que deve ser interpretada a pretensão à superioridade da liberdade de opinião e de informação. Ela exprime hoje a generalização do controle social e político exercido pelos grande produtores de informação e de opinião sobre os direitos dos cidadãos. Exercem os seus privilégios com eficiência crescente, numa sociedade encantada com a “inversão” de significados e pelo ilusionismo da liberdade de escolha do indivíduo-consumidor. A censura de opinião e até do silêncio alheios e a intimidação sistemática devem “aparecer” aos olhos do público consumidor como legítimo exercício dos direitos de opinar, de informar e de defender os interesses da comunidade.
Mas não é sábio exagerar no pessimismo: nos próximos anos, a luta política é que vai decidir se as tecnologias de comunicação da terceira Revolução Industrial vão nos conduzir ao totalitarismo consentido, à moda de George Orwell, ou ao aperfeiçoamento democrático, à ágora informatizada, processos decisórios de democracia direta capazes de corrigir as distorções dos regimes representativos de hoje, infestados pelo poder da grana e pelos vícios do privatismo.

Luiz Gonzada Belluzzo é professor da Unicamp.
Este artigo foi publicado originalmente na revista CartaCapital, nº362, 05 de Outubro de 2005.

( Texto publicado em http://fmauriciograbois.org.br/portal/revista.int.php?id_sessao=50&id_publicacao=190&id_indice=1534 e algumas minúsculas ratificações feitas para adequá-lo ao texto publicado em Carta Capital )

segunda-feira, 28 de junho de 2010

HITLER QUERIA VENDER JUDEUS

O MASSACRE DOS JUDEUS PODIA TER SIDO EVITADO?
Roosevelt convocou uma reunião de 32 países, em Evian, para debater a perseguição aos judeus da Alemanha. Hitler enviou um emissárioa essa conferência, com uma proposta: "Se os aliados querem salvar os judeus, eles estão à venda. Custam 250 dólares cada um."
Os aliados não acreditaram no enviado, um eminente professor austríaco. Ele foi ridicularizado e colocado sob suspeita. Morreu ao voltar para a Áustria. Os anos seguintes mostraram que Hitler não blefava. Seis milhões de judeus morreram.

Por Nicholas Brady

Revista PLANETA
Edição 01
Setembro de 1972
JULHO DE 1938. Na Alemanha, Hitler está no poder há cinco anos. As manifestações anti-semitas, promovidas pelo nazismo, são conhecidas no mundo inteiro. Os judeus começam a deixar a Alemanha, que tinha se tornado uma ameaça para eles.
Por iniciativa do presidente Franklin D. Roosevelt, os representantes de trinta e dois países decidiram de reunir em Evian, para estudar os problemas colocados pelos novos refugiados. Na verdade, a conferência tinha uma missão mais profunda: debater o conjunto da política anti-semita da Alemanha nazista.
A Conferência de Evian - Intergovernamental Commitee for Refugees - realizou-se de 6 a 15 de julho de 1938. Além dos delegados dos governos dos trinta e dois países, numerosas organizações particulares fizeram-se representar por observadores. Homens como o conde Coudenhove-Calergi, fundador do movimento pan-euroupeu; o músico Pablo Casals; o historiador Guillaume Ferrero; J.B.Wise, o grande rabino de Nova Iorque, e o padre Odo, enviado do Vaticano, assistiram à conferência como observadores. Informado dessa reunião, Hitler decidiu enviar um mensageiro com uma proposta inacreditável: que os países reunidos em Evian organizassem uma coleta e resgatassem todos os judeus alemães e austríacos, já que estavam preocupados com o destino deles.
Hitler fixou o preço de cada judeu em 250 dólares. "Homem, mulher, criança, o preço é o mesmo. Contudo, quando se tratar de uma família numerosa aceitaremos o preço de 1.000 dólares, qualquer que seja o número de filhos." Essa proposta deveria ser transmitida por um judeu austríaco, médico de fama mundial, o professor Heinrich Neumann.
Cerca de duzentos jornalistas internacionais ( inclusive da imprensa nacional-socialista ), seguiram os debates da conferência de Evian - sendo que a maior parte deles eram elementos credenciados junto à Sociedade das Nações. Foi um deles, o romancista austríaco Hans Habe, correspondente, na época, do Prager Tageblatt, que revelou recentemente a missão dramática e degradante do professor vienense.
O EMISSÁRIO ERA JUDEU
Missão inútil também porque, evidentemente, ninguém desejava "comprar" os judeus; nenhum embaixador presente imaginava em que orçamento "se poderia encontrar a quantia necessária", já que a suposta transação incluía meio milhão de judeus da Alemanha e da Áustria. Fora isso, onde instalá-los? O que fazer deles?
Tanto mais os nazistas podiam, em caso de recusa, exterminar os judeus. O governo do Reich não tinha escolhido um nazista para apresentar sua proposta, mas um dos próprios judeus que perseguia. E este só havia aceito sua espantosa missão ao tomar plena consciência do perigo real que ameaçava os judeus. O escritor Hans Habe chegou à conclusão de que o romance era um testemunho mais autêntico e completo do que a apresentação de memórias ou de documentos.
JUDEU NÃO É CIDADÃO
Daí ter preferido essa forma para reviver aqueles dias trágicos. Mas Hans Habe teve o cuidado de reunir ( 1 ) comentários e documentos cuja precisão permite ao leitor agrupar e situar, com toda a exatidão exigida pela História, os fatos e os acontecimentos narrados.
Por volta de 1920, a eliminação dos judeus entrou na ordem do dia, na Alemanha. O programa do partido nacional-socialista redigido em Munique, neste mesmo ano, recomendava a seguinte medida de saúde pública: "Somente os cidadãos se beneficiam com os direitos cívicos. Para ser cidadão é necessário ser de sangue alemão, a confissão importa pouco. Nenhum judeu, por conseguinte, pode ser cidadão" ( Ponto 4 ). Mais adiante: ... "Solicitamos que todos os não-alemães e estabelecidos na Alemanha, a partir do dia 2 de Agosto de 1914, sejam imediatamente obrigados a deixar o país." ( Ponto 8 )
1 ) Hans Habe, Die Mission, Verlag, Kurt Desch
[ FIM DA PARTE 1 ]

sábado, 26 de junho de 2010

COPA-94: DIRIGENTE PÕE TETRA SOB SUSPEITA

JOHANSSON, EX-PRESIDENTE DA UEFA, DIZ QUE HAVELANGE TROCOU JUIZ DE SEMIFINAL DE "FORMA IRREGULAR"
Jornal da Tarde
16.05.2008
Lennart Johansson, um imponente sueco de 78 anos que comandou a Uefa, principal entidade do futebol europeu, de 1990 até o início do ano passado, lançou no mundo da bola uma enorme polêmica. O dirigente, que vive em Estocolmo, insinuou que o ex-presidente da Fifa João Havelange teria trabalhado em favor do Brasil na vitória sobre a Suécia por 1 a 0 na semifinal da Copa do Mundo de 1994 - na final, os brasileiros conquistaram o tetra com vitória sobre a Itália nos pênaltis.
De acordo com Johansson, seu antigo colega Havelange teria pressionado para mudar de maneira irregular - e em cima da hora - o árbiro que apitou a partida no Mundial dos Estados Unidos. "O juiz escolhido foi trocado no último segundo por um sul-americano ( o colombiano José Joaquín Torres, mais conhecido por J.J.Torres ) que mostrou o cartão vermelho a Jonas Thern ( volante sueco, após falta em Dunga )", afirmou, em entrevista à revista sueca Offside. "Não nego que a entrada de Thern fosse merecedora do cartão amarelo, mas não do vermelho", prosseguiu. "Essa decisão influenciou na partida. Thern era o capitão e sem ele o jogo não foi o mesmo."
O jogador foi expulso aos 17 minutos do segundo tempo, quando a semifinal ainda estava no 0 a 0. O Brasil pressionava, mas o rival se defendia bem. O gol da vitória veio aos 35 minutos, com Romário, de cabeça.
O lance polêmico, que desgostou tanto Johansson 14 anos depois, tem Thern como protagonista: o volante entra de forma violenta com a sola no tornozelo esquerdo de Dunga, em disputa no meio-campo. Ao receber o vermelho, não reclamou com a arbitragem e ainda pediu desculpas ao brasileiro. No restante do confronto, a atuação de J.J.Torres foi normal. O Estado ouviu árbitros ( veja abaixo ), que consideram justa a punição.
Johansson, também ex-vice presidente da Fifa, acrescentou que circulou na ocasião "rumor" a respeito da escolha de Torres. De acordo com o aposentado cartola, a troca não foi correta e "Havelange estava por trás da mudança".
Brasil e Suécia protagonizaram disputa particular em 94. Além do duelo pela semifinal, as duas equipes se enfrentaram na primeira fase e empataram por 1 a 1 ( gols de Andersen e Romário ). A Copa, disputada nos Estados Unidos, pôs fim a uma fila de 24 anos da seleção brasileira sem título mundial. O Brasil levantou o troféu só ao bater a Itália, nos pênaltis, depois de empates por 0 a 0 no tempo normal e na prorrogação.
Johansson, curiosamente, escolheu J.J.Torres para apitar a decisão do Mundial de Clubes daquele ano, entre Vélez Sarsfield e Milan ( 2 a 0 para o Vélez ).
Johansson e Havelange são adversários políticos antigos. O sueco sempre foi crítico à maneira com que o brasileiro presidiu ( de 74 a 98 ) o órgão máximo do futebol mundial: "Com mãos de ferro, de maneira ditatorial, se elegeu presidente cinco vezes tanto por influência, quanto por corrupção."


Havelange não foi localizado pelo Estado, ontem, para comentar o caso.
ARNALDO, WRIGHT E MARSIGLIA DEFENDEM O COLOMBIANO
"Acho uma leviandade. Uma brincadeira sem fundamento." Foi dessa forma que o ex-árbitro Arnaldo Cezar Coelho reagiu às declarações do ex-presidente da Uefa Lennart Johansson, que criticou a arbitragem do colombiano J.J.Torres na semifinal do Mundial dos EUA, em 1994. Segundo o juiz da decisão da Copa de 82, na Espanha, o árbitro teve atuação muito boa. "Não houve nada a ser questionado. A Suécia perdeu porque não tinha Romário."
Renato Marsiglia foi o representante da arbitragem brasileira naquela Copa. E comentou a polêmica com bom humor. "Acho que os suecos ainda estão atrás de uma desculpa por terem levado um gol do baixinho Romário, mesmo tendo três zagueiros de quase dois metros de altura." Marsiglia só tem elogios ao companheiro colombiano. "O Torres fazia parte da primeira linha da arbitragem na América do Sul. Por apitar sempre de modo correto, não agradou ao cartel de Medellín. Ameaçado, abandonou o apito e foi morar nos Estados Unidos com a família".
José Roberto Wright, que dirigiu a disputa do 3º. lugar no Mundial da Itália, em 90, não entendeu o porquê de Johansson levantar dúvidas sobre a atuação do árbitro colombiano 14 anos depois do jogo. "Se ele queria denunciar algo, por que não o fez naquela época, quando dirigia a Uefa?". Wright afirmou que nunca ninguém questionou o cartão vermelho aplicado por Torres ao sueco Thern.
O QUE ELES DISSERAM
Lennart Johansson
Ex-presidente da Uefa
"O juiz escolhido foi trocado no último segundo por um sul-americano, que expulsou Jonas Thern. Não nego que a entrada de Thern fosse merecedora do amarelo, mas não do vermelho"
Arnaldo Cezar Coelho
Ex-árbitro
"Acho uma leviandade, não houve nada a ser questionado"
J.J.TORRES DEIXOU SEU PAÍS APÓS AMEAÇA DE MORTE
Ameaçado de morte após um jogo na Colômbia, J.J.Torres abandonou a arbitragem para morar em Nova Jersey, EUA, com a família, onde tem escolinha de futebol. Torres foi um dos árbitros mais conceituados dos anos 90. Apitou a decisãoda medalha de ouro na Olimpíada de Barcelona/1992. No mesmo ano, dirigiu o 2º. jogo da final da Libertadores entre São Paulo e Newell's Old Boys, no Morumbi. Em 1993, voltou a São Paulo para apitar a 1ª. partida decisiva da Libertadores, que reuniu São Paulo e Universidad Católica. Os paulistas se deram bem nas duas vezes.
Em 1994, além da Copa, ainda atuou na final do Mundial de Clubes entre Milan e Vélez Sarsfield
GOSTOU DO TEMA? ENTÃO, QUE TAL ESTA SUGESTÃO:

http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/externo/index.asp?id_link=4738&tipo=2&isbn=8501054488

REVISTA LEVANTA SUSPEITA DE 2006

SEGUNDO PUBLICAÇÃO ALEMÃ, PARTIDA ENTRE BRASIL E GANA PODE TER SIDO MANIPULADA POR UM GRUPO DE APOSTADORES ASIÁTICOS
Jornal LANCE!
31.08.2008
A revista alemã "Der Spiegel" levantou suspeitas, de acordo com as informações publicadas em sua versão on-line, sobre uma possível manipulação de resultado na partida entre Brasil e Gana, válida pelas oitavas-de-final da Copa do Mundo da Alemanha de 2006
Na publicação, o jornalista canadense Declan Hill, que investiga o assunto em um livro sobre o tema, sustenta que um grupo de asiáticos apostou que, nesta partida, o Brasil venceria por pelo menos dois gols de diferença. No fim, o placar foi de 3 a 0 para a Seleção.
A revista diz que Hill investiga uma suposta ligação entre um homem de Bangoc e os jogadores da equipe ganense.
Além disso, segundo a publicação, há possibilidade de ter acontecido manipulação também em jogos do Campeonato Alemão. O confronto entre Hannover 96 e Kaiserslautern, realizado em novembro de 2005, e o duelo entre Karlshuher e Siegen, pela Segunda Divisão, também foram citados.
A revista diz que houve diversos movimentos de apostas milionárias que jogam suspeitas sobre estas partidas.
No cento do assunto, está um malaio identificado pela revista como William Bee Wah Lim, que teria apostado em uma vitória do Hannover e em um triunfo do Karlsruher, em jogos do Alemão.
CBF DESCONHECE SUPOSTO ASSUNTO
O LANCE! entrou em contato com a CBF para saber sua posição sobre os assuntos veiculados pela revista alemã "Der Spiegel". A assessoria da entidade afirmou que desconhece o que foi publicado, afirmando que a Fifa está atenta a qualquer tipo de ação desse caráter.
Além disso, a CBF frisou que a entidade máxima do futebol possui um grupo chamado Task Force, que investiga assuntos como esse.

Morre Lourenço Diaféria, o cronista de São Paulo

Ubiratan Brasil
ESTADO DE SÃO PAULO
18.09.08
"As crônicas de Lourenço Diaféria reuniam a rara combinação de terem um estilo ao mesmo tempo ameno e contundente. Com alta dose de lirismo e emotividade, ele retratava figuras anônimas de São Paulo, compondo um painel humano pouco conhecido da cidade. Autor de crônicas publicadas no Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo, além de outros órgãos de imprensa, Diaféria morreu na madrugada de ontem, em sua casa, aos 75 anos, em decorrência de problemas cardíacos. O sepultamento estava previsto para a tarde de ontem, no cemitério Getsêmani, no Morumbi.
Apesar dos problemas de saúde, Diaféria continuava em atividade. No início do ano, uma seleção de suas crônicas foi lançada pela editora Boitempo, Mesmo a Noite Sem Luar Tem Lua, um retrato do mundo político e do cotidiano paulistano dos anos 1970. Textos em que Diaféria tratou tanto de problemas prosaicos (uma cobradora de ônibus ajudar uma mãe a trocar a roupa de seu bebê) como revelou sua insatisfação com as injustiças (escreveu uma carta a um general avisando que algo cheirava mal nos porões da ditadura militar).
Entre as crônicas do livro, aliás, uma ganhou destaque, intitulada ‘Herói. Morto. Nós.’ Publicado em agosto de 1977 na Folha de S.Paulo, o texto elogiava a bravura de um sargento, Sílvio Hollenbach, que se sacrificou ao salvar uma criança, no zoológico de Brasília - ao perceber que o menino caíra em um poço repleto de ariranhas enfurecidas, o militar conseguiu resgatá-lo mas não sobreviveu às mordidas dos animais.
‘No instante em que o sargento - apesar do grito de perigo e de alerta de sua mulher - salta no fosso das simpáticas ariranhas, para salvar da morte o garoto que não era seu, ele está ensinando a este país, de heróis estáticos e fundidos em metal, que todos somos responsáveis pelos espinhos que machucam o couro de todos’, escreveu Diaféria, provocando, no entanto, a irritação do ministério da Justiça.
O motivo era o trecho ‘heróis estáticos e fundidos em metal’, entendido como uma ofensa a Duque de Caxias, patrono do Exército. Enquadrado na Lei de Segurança Nacional, Diaféria foi processado e condenado a oito meses de prisão. A detenção em sua casa em setembro surpreendeu até seus colegas de redação, a ponto de, no dia seguinte, o espaço onde normalmente era publicada sua coluna na Folha sair em branco. Diaféria só foi inocentado em 1979.
‘Crônicas como essa são testemunhas do nosso tempo, e o leitor sente-se mais próximo do homem, dos outros homens, enriquecido em sua consciência e emoção’, escreveu Roniwalter Jatobá, responsável pela seleção de textos de Mesmo a Noite Sem Luar Tem Lua.
Cronista desde 1964, ele estreou no jornal Folha da Manhã, hoje Folha de S.Paulo. Diaféria encarava sua tarefa diária de cronista com bom humor. ‘Acho que jornal é como um circo’, escreveu ele, no JT. ‘No jornal, a crônica é o intervalo do grande espetáculo. Não resolve nada. Crônica só serve para dar um tempo de o sujeito ir lá fora, comprar amendoim, tomar café, espreguiçar-se. Talvez até seja uma inutilidade. Mas estamos aqui.’ Nesse contexto, ele se comparava aos anões que distraem o público enquanto se monta a jaula dos leões, a próxima atração.
Contra a duração efêmera das crônicas, Diaféria produzia textos carregados de informação, espírito crítico, humanismo e emotividade, tornando-as perenes. Nascido na capital paulista no dia 28 de agosto de 1933, ele escreveu ainda para o Diário Popular (hoje Diário de S.Paulo) e Diário do Grande ABC, além das rádios Excelsior, Gazeta, Record, Bandeirantes e TV Globo.
Sua vasta obra de cronista espalhou-se também por diversos livros, como O Imitador de Gato, Brás - Sotaques e Desmemórias, O Empinador de Estrela, A Morte Sem Colete, entre outros. Para ele, São Paulo era a fonte principal, ‘a cidade e sua gente, pessoas que vivem nesse cimento, enfrentando filas de ônibus, filas para o estádio, aqueles que eventualmente tomam um táxi, além dessa periferia desconhecida’."

sexta-feira, 25 de junho de 2010

E SE O LULA NÃO MORRER NA PRAIA?

Sérgio Augusto
OPasquim21, 01/10/2002

"Com Lula, como já sugeriu Millôr Fernandes, o Brasil se converterá numa Romênia."
( Paulo Francis, 07.12.1989 )

DESÂNIMO GERAL. E não apenas nas hostes situacionistas. Mesmo entre os que votam em Lula registrei um certo tédio em relação às eleições. "Todos os candidatos prometem as mesmas coisas" é a queixa mais comum. Vez por outra seguida de um comentário sobre a impossibilidade de um bom governo, vença quem vencer, tantos e tamanhos são os problemas acumulados nos últimos oito anos, que não somam apenas oito, diga-se, a bem da verdade e da justiça. Já ouvi um eleitor de Ciro Gomes recém-convertido ao voto útil em Lula lastimar que nem JK conseguiria fazer um bom governo na atual conjuntura.
Quando a ditadura militar acabou, fiz por alto um balanço dos estragos acumulados, incluíndo o período pré-64, e concluí que precisaríamos de pelo menos três presidentes como Franklin Delano Roosevelt, eleitos sucessivamente, para desviar a vaca do brejo. E o que tivemos depois que o último general se foi? José Ribamar Sarney. Resultado: ficamos precisando de quatro ou cindo Roosevelts. Como depois nos sobreveio o Collor, desisti de fazer a conta.
Que me desculpem os desanimados, mas não há como negar uma novidade nas eleições deste ano. Pela primeira vez, poderemos ter um presidente operário, um trabalhador braçal comandando os chamados destinos da nação. Se bacharéis de tudo quanto é espécie - e um mestre da sociologia - não deram jeito no País, por que não experimentar alguém sem anel no dedo?
Quando a seleção brasileira conquistou o penta, apareceu na praia de Ipanema um cartaz com os dizeres "Agora só falta o Lula". Àquela altura, nem os eleitores históricos do Lula acreditavam piamente numa vitória; vale dizer, numa façanha similar à do escrete canarinho, que chegara à Copa desacreditado e rejeitado pela maioria dos brasileiros. Ainda que alguns eleitores históricos de Lula continuem cautelosos, quando não ressabiados, com as barbas de molho, como era o caso de Hugo Carvana duas semanas atrás, tudo leva a crer que o candidato do PT vai chegar lá.
Apesar das pressões da máfia financeira, que tantas fez para derrubá-lo que até logrou criar um Real inacreditavelmente inferior ao Peso argentino - e não sei se a esta altura já inferior ao Guarani e ao Kwasha, a moeda da Zâmbia.
Desta vez, a campanha contra Lula, apesar de intensa e internacionalizada, contou com um adversário tão inesperado quanto involuntário: o governo FHC, rejeitado por praticamente 80% do eleitorado; do contrário, José Serra não teria apenas 18% de ibope, certo? A conta justa seria 87% ( a soma de toods os candidatos da oposição ), mas algum crédito no fiasco tucano merece ter o candidato escolhido pelo PSDB, um zero à esquerda em matéria de carisma.
Alguém do PT, talvez Ricardo Kotscho ou André Singer, deve estar colecionando todas as cacetadas e cutucadas que Lula levou e vem levando, inclusive ou sobretudo na internet, para um livro que adoraria ver publicado. Ameacei colecionar todas as alfinetadas e bordoadas no "sapo barbudo", mas acabei desistindo, tamanha a trabalheira que me daria. Alguns recortes, porém, guardei para a posteridade. Sem muito critério. Julguei oportuno guardar, por exemplo de abrangência ou metástase antilulista, a maldosa brincadeira que um crítico ( ou crítica ) de gastronomia do Globo fez com o candidato petista, cinco meses atrás, comparando-o ao homônimo molusco, então em alta nos restaurantes cariocas - ao contrário de Lula, que 'costuma morrer na praia', comentava o/a jornalista.
Recortei também algumas pérolas do elegante conservador Fernando Pedreira, cuja admiração por FHC só não é maior que sua aversão a Lula. "Temos um presidente que é talvez o maior que já tivemos, o mais capaz e brilhante entre os políticos de seu tempo", escreveu Pedreira, em dezembro do ano passado, lamentando que, a despeito dessas virtudes, FHC fosse "perseguido por altíssimos índices de impopularidade" e, por conseguinte, fadado a perder as eleições presidenciais, "mesmo para uma oposição e um adversário como o Lula que não se cansam de exibir sua incapacidade diante dos problemas de um país como já é o nosso" ( O Estado de S.Paulo, 18.12.2001 ).
Três meses mais tarde, cobrou de Lula uma atitude menos "cautelosa e paternal" com relação à invasão da fazenda Córrego da Ponte pelo MST. Não se dera por satisfeito com o comentário de Lula ( "a invasão não serviu à causa da reforma agrária" ) ; exigia uma crítica mais enérgica aos abusos delinqüentes do MST [ Nota deste blog: cremos que faltaram, no original, as "aspas": "abusos delinqüentes do MST" ], sem, contudo, prometer que, em troca, faria o mesmo com a desastrada política econômica do tucanato. Suspeito que Lula se daria por satisfeito se Pedreira apenas comentasse que "a política econômica do governo FHC não serviu à causa do capitalismo". Um mês depois, Pedreira insinuou que Lula era um tremendo pé-frio, pois comparecera aos comícios de Leonel Jospin, em Paris, e este perdera as eleições presidenciais para Chirac. O elegante pundit deve estar apavorado com a mais que provável eleição de Lula.
Mas muito mais apavorado estaria nosso saudoso amigo comum Paulo Francis, cuja ojeriza a Lula e ao que ele representa bateu recordes de histeria, nas eleições de 1989. Foi em parte por isso que fiquei uns tempos sem ler suas colunas na Folha de São Paulo. Não queria me indispor com uma pessoa a quem muito estimava e admirava, mas que, a meu ver, abusara do direito de dizer absurdos a respeito de Lula e, mais ainda, de seu adversário Collor, a quem Francis cobriu de elogios por ele ser "branco, rico, bonito e ocidental", para depois, com ele já eleito, qualificá-lo de "herói de Plutarco", saído de Alagoas, "ou seja, do nada político", para ganhar a Presidência "contra todas as esquerdas e cabeças fedidas deste país" ( 10.5.90 ).
Fancis viveria o bastante para ver o que seu herói de Plutarco fez com a poupança dos brasileiros e os cofres públicos. Aliás, no último domingo, 29, fez dez anos que a Câmara abriu caminho para o impeachment de Collor, afinal sacramentado três meses depois. Na IstoÉ da semana passada, o senador Amir Lando ( PMDB-RO ), relator da CPI que investigou Collor e sua gangue, revelou ter recebido várias propostas de suborno para inocentar o presidente que chegaram a US$ 200 milhões [ Nota do blog: na seqüência deste texto]. Recusou-as. Quem as fez? O senador mantém segredo, mas, segundo IstoÉ, eças teriam partido do então presidente do Banco do Brasil, Lafayette Coutinho; do dono do Banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá; e do secretário-geral da Presidência e cunhado de Collor, embaixador Marcos Coimbra.
Francis só usou calibre grosso em sua cruzada contra Lula. Xingou-o de "estafermo e ignorante" ( 24.6.89 ), "bestalhão" ( 09.11.89 ), "besta quadrada" que "não sabe nada do que está falando" ( 23.11.89 ), "candidato de sopa dos pobres, com alguns canapés subcomunistas recolhidos no Morumbi e em Ipanema" ( 30.11.89 ).
Encarnou nele por causa de um "enricou" que Lula soltara numa entrevista à televisão, embora o Aurélio registre a existência do verbo enricar como sinônimo de enriquecer.
Comparou-o, desfavoravelmente, a João Goulart ( "um sábio", perto de Lula ) e apostou que Marx iria rir dele, "porque o esquema dos petelhos é de uma sociedade paternalista, uma senzala bem administrada, em que nhonhô trata 'humanamente' os caboclos velhos" ( 18.5 89 ). Se Marx riria dele, ao menos de comunista Lula não podia ser acusado, certo?
De vez em quando, Francis enredava-se em contradições. Se "o povão é reacionário como Lula", conforme escreveu em sua coluna, a cinco meses das eleições, como poderia o candidato do PT perder para Collor, como Francis achava que perderia? Num parágrafo, Francis dizia que Lula, se eleito, "não poderia fazer nada"; noutro, que "levaria os proprietários de terras às armas" ( 24.6.89 ) e aumentaria o salário mínimo dos trabalhadores com o dinheiro dos juros da dívida ( 23.11.89 ); para, em outras colunas, afirmar que Lula deixaria o país "ainda mais paralisado em greves" e "isolado do mundo", correndo o "sério risco de se tornar o Sudão da América do Sul" ( 30.11.89 ).
Embora "perigosíssimo" ( 2.12.89 ), Lula - cujos programas, aos olhos de Francis, eram "piroquetagem de gente sub-intelectuais desempregados, gente que desconhece como o mundo funciona" ( 30.11.89 ) - não "poderia fazer nada" ( 24.06.89 ), nem teria "condições de impor uma ditadura ao país" ( 02.12.89 ). A certa altura, Francis se convenceu de que Lula não seria eleito, mas, se acaso fosse, não tomaria posse: "haveria provavelmente reação militar" ( 30.11.89 ).
Lula, portanto, ora não se elegeria, ora ganharia as eleições; ora nada conseguiria fazer ( militares, empresários e ruralistas o derrubariam ), ora faria coisas tão terríveis que o país viraria um Sudão ou, na branda hipótese de Millôr, uma Romênia. curioso: nem no Sudão nem na Romênia jamais houve algo parecido com o confisco decretado por Collor em março de 1990.
A mais memorável coluna do Francis sobre Lula saiu na Folha de 23 de novembro de 1989. começava assim: "Mais um amigo [ brasileiro ] por dentro e inteligente com quem almoço [ em Nova York ]. Esse só sai de casa para ir ao aeroporto internacional. Mexe numas coisas por telefone. Já não tem mais quase um tostão aí. Pergunto-lhe quem vai ganhar a eleição. Lula. Temos que ir ao fundo do poço. Chafurdar. A ala albanesa dos petelhos, prevê meu amigo, proporá legislação, porque é uma das 13 alas do PT. Marilena Chauí convocará reunião ministerial para determinar se é democrático que haja serventes que varram os ministérios."
Eis a prova de que o problema do Francis, no fim da vida, eram o que nossas mães chamam de más companhias. Argentários sem um mínimo de amor e respeito ao País, só ao seu dinheiro, acumulado sabe-se lá como e sempre a caminho de paraísos fiscais. Especuladores sem escrípulos, vítimas e transmossores de paranóias, possivelmente os mesmos que nos últimos meses ajudaram a inflacionar o valor do dólar, contribuíndo, estes, sim, para transformar o Brasil no Sudão da América do Sul. Acho que sei quem é o amigo a quem Francis se refere. Mas, como o Amir Lando, reservo-me o direito de não revelar sua identidade. Por enquanto. Se a Isto é se interessar, que saia em campo. A Receita Federal adoraria conhecê-lo.

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Tentaram me subornar
Amir Lando, relator da CPI do PC, recebeu proposta de US$ 200 milhões para inocentar Collor
Antônia Márcia Vale
ISTOÉ
edição: 1721
25.Set.2002
No domingo 29, faz dez anos que o Brasil assistiu ao impeachment do presidente Fernando Collor. Nesse dia a Câmara aprovou a abertura do processo contra o ocupante do Planalto. Collor renunciaria três meses depois. Foi a primeira vez na história que um presidente perdeu o poder por caminhos democráticos. Hoje, o fato está em todos os livros de história. Mas um segredo permanecia até agora: o relator da CPI que investigou Collor e sua turma, senador Amir Lando (PMDB-RO), recebeu – e recusou –, em agosto de 1992, três propostas de suborno. As ofertas foram feitas por pessoas próximas a Collor que esperavam comprar a inocência do ex-presidente. A maior delas chegou a US$ 200 milhões. É o próprio Amir, após uma década, que conta: “Propostas vieram, só que eu sempre as desqualifiquei”, revela agora o relator. Lando prefere não apontar nomes. Mas, em conversas reservadas com parlamentares e assessores próximos, detalhou as investidas. Dois dos participantes dessas conversas contaram a ISTOÉ que as propostas teriam partido do então presidente do Banco do Brasil, Lafayete Coutinho; do dono do banco Econômico, Ângelo Calmon de Sá; e do secretário-geral da Presidência e cunhado de Collor, embaixador Marcos Coimbra. Os três tinham poder político e cacife econômico para o que pretendiam e ocupavam posições estratégicas no poder.
Lafayete Coutinho integrava a tropa de choque do governo que se empenhou na reversão de votos contra o impeachment. Coimbra, com trânsito livre no Palácio, atuava como conselheiro presidencial. Calmon de Sá era secretário de Desenvolvimento Regional e amigo de Collor. IstoÉ procurou os três envolvidos, além do próprio ex-presidente Fernando Collor, para que se pronunciassem sobre as revelações de Amir Lando. Deixou recados detalhados com uma das secretárias de Calmon de Sá, com um dos filhos de Marcos Coimbra em Nova York, e com o assessor de imprensa de Collor, Célio Gomes. De Calmon de Sá e Coimbra, não recebeu retorno. O assessor de Collor antecipou que o ex-presidente não se pronunciaria e não fez nenhum novo contato com a reportagem. Lafayete Coutinho, em uma rápida conversa telefônica, foi taxativo: “Esse assunto não me interessa.” E bateu o telefone.
Segundo os relatos, os autores das ofertas não tiveram pudores em suas investidas. A primeira abordagem, no início de agosto, foi no corredor das comissões do Senado, entre a sala da CPI e o gabinete do relator. A oferta já representava uma pequena fortuna: US$ 25 milhões. A negativa foi imediata, mas o valor alto fez Amir Lando concluir que o grupo do então presidente entrara em pânico. Uma semana depois, o montante dobrou: US$ 50 milhões. A pessoas próximas, o senador confessou ter ficado estarrecido com o poder de fogo do esquema financeiro montado por Paulo César Farias, o tesoureiro de campanha de Collor. A nova recusa parece ter levado a tropa de choque ao desespero e a bolada foi elevada para US$ 200 milhões. Nesta última tentativa, em meados de agosto, eles apelaram:o alvo foi a esposa de Amir Lando, Maria de Lourdes. O emissário do grupo, cujo nome Lando preserva, bateu na casa do parlamentar noLago Sul. Assim que ela abriu a porta, o homem irrompeu pela sala oferecendo a fortuna em troca da isenção de Collor.
Quando Lando chegou, no meio da madrugada, encontrou a mulher apavorada. Maria de Lourdes contou o fato ao senador e, diante da ousadia demonstrada pelos investigados, temeu pela vida do marido. Ela não foi a única a pensar que os integrantes da CPI corriam perigo. Entre os próprios parlamentares, o medo era constante. Ao final do primeiro mês de trabalho, os políticos e alguns funcionários andavam protegidos por policiais federais. A segurança emocional só se instalou entre os investigadores no dia 16 de agosto, um domingo. Dias antes, Collor pedira à população apoio contra a CPI. Sugeriu que todos saíssem às ruas de verde e amarelo. Como resposta, o que se viu pelo País foram multidões de preto em defesa da continuidade das investigações. Ao se deparar com milhares de manifestantes, Amir Lando desabafou ao então senador José Paulo Bisol (RS): “Com todo esse apoio, ninguém terá coragem de atentar contra nós.”
As investidas físicas não ocorreram, mas as tentativas de roubo de documentos e suborno de funcionários e parlamentares se multiplicaram. Uma funcionária da CPI recebeu, e também recusou, propostas de propina em troca da abertura do cofre onde eram guardados os documentos da investigação. Marcas e arranhões mostraram tentativas de violação do cofre. Foi preciso um esquema de lacre para garantir a integridade da fechadura. Alguns não resistiram. Recusando-se a revelar nomes, o presidente da CPI, Benito Gama, conta que dois deputados embolsaram US$ 200 mil para votar contra o parecer. Receberam o dinheiro em um pacote e foram colocados num jatinho rumo ao Paraná. Após meia hora de vôo, arrependeram-se e voltaram para Brasília. Na votação, ficaram contra Collor. Benito promete contar todos os meandros escabrosos da CPI no livro que está escrevendo, cujo título provisório é Eu juro que vi.
Muro político – A CPI foi instalada em 1º de junho de 1992 e concluída em 24 de agosto, com a leitura do relatório de 371 páginas que confirmava a prática de crime de responsabilidade pelo presidente da República e recomendava a cassação de seu mandato. Mas, entre uma data e outra, muitas articulações foram necessárias para vencer as barreiras políticas que tentaram evitar o impeachment de Collor. O requerimento de instalação da CPI, apresentado pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), pedia investigações sobre o tráfico de influência de PC Farias dentro do governo. Nem sequer chegava a citar Collor. Ainda assim, a pressão para engavetá-lo era tremenda. O empenho do senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi decisivo.
A maioria dos caciques políticos era contrária à CPI. Temia-se que ela chegasse, como de fato chegou, ao presidente da República, fazendo desmoronar a incipiente democracia brasileira. “Logo no início, Ulysses (deputado Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB) veio ao meu gabinete para lembrar-me que o suicídio de Getúlio Vargas foi motivado por uma investigação parlamentar contra seu irmão Benjamin Vargas”, relembra Pedro Simon. Esse argumento foi repetido até os últimos dias dos trabalhos. Amir Lando e Benito Gama relatam ter sido procurados por expoentes políticos da época que se mostravam preocupados com o impacto do processo sobre as instituições brasileiras: “Luiz Eduardo Magalhães (líder do governo Collor), Fernando Henrique Cardoso, Bornhausen (senador Jorge Bornhausen, ministro-chefe da Secretaria de Governo), Mauro Benevides (presidente do Senado), todos me alertaram para os riscos de uma ruptura democrática”, lembra o relator. A CPI colheu 25 depoimentos. O primeiro, no dia 4 de julho, foi o de Pedro Collor, o irmão mais novo do presidente, que denunciara o esquema de corrupção de PC Farias. Cinco dias depois, foi a vez de o próprio PC falar aos parlamentares. A comissão só tomou o rumo do Palácio do Planalto na metade das investigações, após relato do motorista Francisco Eriberto Freire França, descoberto por ISTOÉ, que revelou, em detalhes, como o duto de propina montado por PC pagava as contas de Collor. Era o elo que faltava.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Abril festeja seu fundador

Abril festeja seu fundador
PROPAGANDA & MARKETING
12/02/2007
No ano do centenário, Victor Civita ganha praça com Museu Aberto da Sustentabilidade e DVD histórico
PAULO MACEDO
Há candidatos emergentes à posição de barão da mídia no Brasil. Não é fácil. Esse status foi encarnado com precisão por Victor Civita, que completaria 100 anos na última sexta-feira (9), e Roberto Marinho, das Organizações Globo. Uma recepção na Sala São Paulo na semana passada marcou o centenário de Sêo Victor ou VC, como era chamado na Editora Abril, empresa que fundou um ano após conhecer o Brasil em 1949, exatamente no dia 12 de junho de 1950, quando levou às bancas a primeira edição de O Pato Donald.
O evento que celebrou os 100 anos do fundador da Abril reuniu políticos como o ex-presidente José Sarney (PFL/AP) e os senadores Renan Calheiros (PMDB/AL), Romeu Tuma (PFL/SP) e Antônio Carlos Magalhães (PFL/BA), publicitários como Orlando Marques, novo presidente da Publicis Brasil e ex-diretor comercial da Editora Abril, e Dalton Pastore, presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade) e da Carillo Pastore Euro RSCG e também ex-executivo da Abril, e artistas como Eva Wilma, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. No final da festa, cujo conteúdo foi organizado pela TV1, os presentes receberam o DVD "Paixão por prazer", que narra a história de Civita no Brasil.
Americano, nascido em Nova York em 1907, já era empresário de sucesso, primeiro na Itália, terra dos seus pais, e depois nos EUA, quando desembarcou no País pela primeira vez. Foi amor à primeira vista. Poderia ter ido para a Argentina, a exemplo do irmão Cesar, mas ficou ressabiado com a inconstância do governo ditatorial de Juan Domingo Perón.


"Foi um susto enorme lá em casa. Minha mãe estava com uma carta do meu pai onde ele dizia que mudaríamos todos para o Brasil", relembrou Roberto Civita, filho de Victor e presidente da Abril. "Para ele, nada era impossível. Não nunca funcionou como resposta. Quando decidiu criar a Abril, procurou o BNDEs para pedir financiamento e ouviu que o estatuto do banco não contemplava o mercado gráfico. Insistiu tanto que conseguiu mudar a regra", acrescentou Roberto.
Victor Civita apostou no Brasil após perceber que o discurso desenvolvimentista do País não tinha estratégia para o meio editorial. Na época, não existia em São Paulo um parque gráfico para imprimir revistas. Os principais títulos brasileiros eram O Cruzeiro e a Manchete, ambas do Rio de Janeiro. Uma das suas frases famosas resume bem sua visão. “Não se pode permitir que aumente o número de analfabetos, de favelas, de doentes e pensar que se vai vender mais revistas ou livros".
Depois dos quadrinhos, vieram as fotonovelas de Capricho. Nos nos 60 criou Claudia, revista feminina que ganhou nome da "filha que não teve". Depois Realidade e Veja. Mais tarde Exame, Playboy, Pop, Nova e Bizz. Fascículos como Conhecer marcaram a editora. A Abril comercializa atualmente mais de 150 milhões de revistas por ano. A líder Veja vende mais 1,2 milhão de exemplares por semana. O faturamento publicitário chega a R$ 750 milhões.
A Fundação Victor Civita foi o meio que encontrou para manter viva sua preocupação com a educação. Ela edita a revista Nova Escola para a "qualificação" de professores.
O nome de Victor Civita vai identificar uma praça inaugurada na última sexta-feira (9) na Rua Sumidouro, ao lado do edifício-sede da Editora Abril, em São Paulo. A praça ocupa um terreno de 13 mil metros quadrados de extensão, antes de utilização imprópria, pois funcionara ali o lixão de Pinheiros, agora transferido para a Zona Sul de São Paulo. A praça também vai abrigar o Museu Aberto da Sustentabilidade. A Abril está com o tema sustentabilidade na sua pauta. Recentemente criou o projeto Planeta Sustentável.

( PUBLICADO EM PropMark, 10/02/2007 - Na edição de jornal, sob título "Abril homenageia seu fundador" )


terça-feira, 22 de junho de 2010

A grande farsa do combate aos oligopólios

A grande farsa do combate aos oligopólios
ALOYSIO BIONDI
Folha de São Paulo
06/03/94
Editoria: DINHEIRO Página: 2-4
Seção: DE OLHO NA ECONOMIA
Plano do governo contra inflação esconde apoio aos cartéis, cobrança de tarifas em dobro e outras distorções
ALOYSIO BIONDI
O "Plano Real" está nas ruas. Pode-se discordar, e totalmente, de suas diretrizes. Pode-se considerar um absurdo que o país seja submetido a nova experimentação, autoritária, por vaidades e ambições de alguns. Por maior que seja a discordância, porém, já não há possibilidade de recuo, pois a desmoralização do governo traria consequências imprevisíveis.
Só resta, então, esperar que o Congresso evite aberrações contidas no plano. E que a sociedade esbraveje, exija providências que realmente resultem em combate à inflação, e que a equipe FHC continua com dificuldades de adotar.
A queda da inflação pode ocorrer, se houver mudanças de comportamento, como se segue:
Alimentos - Há exatos três domingos, as linhas finais desta coluna afirmavam que, já na quarta-feira de cinzas, o ministro FHC levaria uma paulada na cabeça com os preços do feijão. Base para a previsão: a seca dizimou a colheita de 400 mil toneladas da região de Irecê, Bahia, reduzindo-a a 20 mil toneladas, ou 5% do previsto. Quase nada.
Tradicionalmente, são essas 400 mil toneladas que garantem o consumo no Sul/Sudeste em fevereiro/março. Elas evaporaram, os preços teriam que disparar. A equipe não tomou conhecimento da escassez para minimizar seus efeitos, nem antes -nem agora.
O desastre dos preços do feijão é um exemplo da grande falha das equipes de economistas que se propõem a combater a inflação com choques espantosos. As equipes parecem ( parecem, repita-se ) muito preocupadas com oligopólios, cartéis e outras distorções.
Mas disparadas brutais de feijão, batata, soja, legumes, também fazem os índices de inflação de determinados meses explodirem, e fazem a inflação continuar em alta nos meses seguintes -porque a correção monetária, a indexação, provoca a alta dos demais preços.
Sem lobby - O presidente da República deveria escolher já alguém para acompanhar os preços dos alimentos "in natura", para evitar a repetição de episódios como o do feijão. É preciso alguém que se preocupe com os interesses do produtor e do consumidor, isto é, não pode ser um nome ligado ao lobby agrícola, que cruza os braços diante de alta de preços, porque aumentam os ganhos dos produtores.
Há técnicos, como o economista Fernando Homem de Mello, que estudam permanentemente as questões agrícolas, do plantio à venda no varejo, e têm isenção suficiente para priorizar o combate à carestia e não outros interesses.
Ditadura - O aumento de 46% nas tarifas de energia elétrica, que provocou indignação, mostra perfeitamente a necessidade de vigilância do Congresso e da sociedade, e mostra também que, ao contrário do que a imprensa tem apregoado desde o começo do governo Itamar, um ministro da Fazenda todo-poderoso é uma distorção absurda. Uma fonte de prejuízos, ora para o Tesouro ( a sociedade ), ora para o consumidor. Um foco de inflação, com decisões das quais acha que não precisa prestar contas.
O ministro FHC concedeu reajustes na faixa dos 40% para pequenas concessionárias da Amazônia. Para a Cesp, do governo paulista, autorizou aumento de 48,9%. Em janeiro, a empresa do governador Fleury já ganhara outro aumento, de 50,2%. Em novembro, alguma coisa parecida.
Na época, esses aumentos não provocaram reação, apesar de serem um desmentido às afirmações do ministro FHC, de que as tarifas de energia subiriam 8% acima da inflação até outubro. No palanque, a promessa de contenção. Nas negociações com governadores, a farra. Nada como ser um ministro-ditador. Pode adotar a política do "é dando que se recebe", às custas da classe média e do povão.
Exploração – O Instituto de Economia do Setor Público é um órgão técnico do governo paulista. Seus cálculos sobre o preço da energia elétrica cobrado pela Cesp estão de estarrecer. Em 1989, a tarifa do quilowatt/hora era de US$ 43 para as residências ( classe média, basicamente) e US$ 21 para a indústria.
Com a política de recuperação das tarifas do governo Collor, a residencial subiu para US$ 62 em 91 e US$ 72 em 92. Com Fernando Henrique/Fleury, passou para US$ 92 em dezembro último e US$ 97 em janeiro –antes do novo salto, agora em março.
Em síntese, de 89 para 94, o preço da energia paulista para residências passou de US$ 43 para US$ 97. Mais de 120% de aumento real, acima da inflação.
Para a indústria? De US$ 21 para US$ 23. É isso mesmo. Entre sorrisos, o ministro FHC diz que autorizou aumentos para a Cesp porque havia defasagem. Entre sorrisos, o governador Fleury arranca o couro do consumidor e ganha o apoio dos empresários para seus sonhos políticos. E garante votos, na Câmara, para os projetos do ministro sonhador. Tudo, em meio à conversa fiada do "combate aos oligopólios...".
Reviravolta – O economista José Milton Dallari foi convidado pelo ministro FHC para cuidar da "guerra dos preços", negociando e teoricamente procurando evitar aumentos abusivos dos célebres oligopólios. Ele chegou a ser o responsável por essa mesma área, de controle de preços, na equipe do ex-ministro Delfim Netto.
Ao deixar o governo, Dallari assumiu a função de consultor e ocupa hoje o posto de presidente executivo da Associação de Produtores e Exportadores de Carne. Espécie de presidente efetivo, com conhecimentos técnicos, é ele quem efetivamente orienta o setor sobre questões como política de preços ( isto é, que preços cobrar... ), concentração empresarial (formação de cartéis e oligopólios ), etc. Além disso, Dallari é também consultor, isto é, "conselhado r" sobre os mesmos temas, de dois setores similares: indústria de alimentação (Abia) e supermercados (Abras).
Suspeição – As ligações de Dallari com setores empresariais não seriam suficientes, por si só, para colocar em dúvida seu empenho em evitar abuso nos preços. Afinal, se FHC e assessores "progressistas" mudaram tanto ( e põe "tanto" nisso ), Dallari também poderia assumir novas atitudes. As evidências não mostram isto.
Cumplicidade – Logo ao assumir, Dallari foi colocado diante de críticas à disparada dos preços do leite –e derivados. Ele reforçou a versão, divulgada bobamente pela imprensa, de que a culpa era dos –pasme-se– "padeiros", que tinham aumentado sua margem de lucro em 100%.
Ora, o sr. Dallari é um técnico competente, assessor da indústria de alimentação. Sabe que o setor de leite e laticínios está sendo dominado por cartéis, grandes grupos nacionais e multinacionais.Nos últimos anos, eles até compram pequenas fábricas de queijos ou usinas de pasteurização no interior, e chegam a fechá-las –para ficarem como únicos compradores do leite. Aviltam preços para o produtor. E cobram preços de ouro pela venda ao consumidor.
Naquele exato momento em que o preço do leite disparava para o consumidor e chegava aos CR$ 275,00 o litro, o produtor estava recebendo menos de 10% desse valor, ou CR$ 24,00 pelo litro "extra-cota"...
Detalhe que o sr. Dallari (também) não deve ignorar: a Parmalat vem avançando no mercado, comprando pequenas e médias empresas, com financiamento. De quem? Segundo reportagem da Folha, do próprio Banespa. O governo financia a formação de cartéis e oligopólios. Sorrisos de lá, sorrisos de cá.
Na entrevista de lançamento do Plano FHC, o economista Pérsio Arida fez comovente declaração de crença no funcionamento do mercado. O plano vai dar certo –disse ele– porque as empresas não vão poder aumentar preços, porque quem aumentar não vai conseguir vender. É muita fé no funcionamento de uma economia de mercado perfeita, sem cartéis e oligopólios. Muita teoria.
Arida poderia ter feito uma consulta, ali mesmo, ao seu colega de equipe, Dallari. Durante todo o ano passado, os preços do boi e da carne, em dólares, estiveram muito acima (de 30% a 40%) de sua média normal. Mesmo com a concorrência do frango (gigantesca expansão na produção) e da carne de porco, a carne bovina encareceu também proporcionalmente, isto é, um quilo do produto passou a "comprar" maior quantidade dos produtos concorrentes (preços relativos). Capacidade de impor preços.
Moral da história: o combate aos oligopólios tem sido uma farsa e nada indica que vá mudar. O brasileiro só deve acreditar se, amanhã, os jornais estamparem uma manchete parecida com esta: "Dallari convoca Dallari para explicar especulação com preços da carne e do leite". O resto é farsa.

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